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Emanuel Bach: 300 anos de um gênio negligenciado

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CPEBach

Como lembra o crítico Ivan Hewett, Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788) já foi mais famoso do que seu pai, o grande Johann Sebastian Bach (1685-1750). Quando, na segunda metade do século 18, se ouvia um músico europeu falar ou escrever sobre o “Grande Bach”, ele normalmente não estava se referindo ao célebre Johann Sebastian, morto em 1750, e sim a seu segundo filho, CPE Bach. Entre os vários irmãos que se tornaram músicos profissionais, ele era considerado um vanguardista, um revolucionário, arauto de uma nova época musical, de Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto) e Empfindsamkeit (Sentimentalismo) pré-românticos.

JS Bach: talento de pai para filho

JS Bach: talento de pai para filho

“Muitos realmente se esforçaram para chegar ao nível desse colosso, mas não foram sequer capazes de lamber seus joelhos.” Essa avaliação de CPE Bach por um crítico contemporâneo nos faz rir. Mas, em seu estilo excêntrico, ele apenas expressou o que todos pensavam. Até a sua velhice, na década de 1780, quando Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) estava em ascensão em Viena e Franz Joseph Haydn (1732-1809) estava em seu auge, CPE Bach era considerado o maior da época, especialmente como cravista e compositor para teclado – salientando que maior parte da formação de Haydn derivou de um estudo de sua obra.

Mozart se considerava filho musical de Emanuel Bach

Mozart se considerava filho musical de Emanuel Bach

A reputação de CPE Bach foi consagrada por duas séries de sonatas dedicadas a Frederico II, o Grande (1712-1786), e a Carlos Eugênio, grão-duque de Württemberg (1728-1793). Seu Versuch über die wahre Art das Clavier zu spielen (“Ensaio sobre a verdadeira arte de tocar o teclado”), uma obra sistemática e magistral que em meados de 1780 chegou à terceira edição, serviu de alicerce aos métodos de Muzio Clementi (1752-1832). Mozart o chamou de “o pai de todos nós”, e Ludwig van Beethoven (1770-1827) conservava valiosas cópias manuscritas de sua música. Aliás, Beethoven expressou acerca de CPE Bach a mais cordial admiração e respeito, devido principalmente às suas sonatas para cravo, que marcam uma época importante na história da forma musical. Disse o mestre de Bonn numa carta de 1809 a seu editor: “Das obras para piano de Emanuel Bach, eu só tenho algumas coisas, e, no entanto, elas servem a qualquer artista verdadeiro, não só para excelso prazer, mas também para estudo”.

Beethoven, grande admirador de Emanuel Bach

Beethoven, grande admirador de Emanuel Bach e estudioso de sua obra

Quanto ao seu pai, JS Bach, quase não era lembrado. Somente cinquenta anos depois da morte de CPE Bach, começou-se a observar o ressurgimento da música do velho Bach. “Emanuel” Bach, como era conhecido, faz parte do grupo dos mais importantes pioneiros da chamada “Primeira Escola Vienense” e é considerado por muitos autores como o pai do Classicismo na música. Seu nome caiu num certo esquecimento durante o século XIX, com Robert Schumann (1810-1856) lamentavelmente opinando que “como um músico criativo, ele permaneceu muito longe de seu pai”. Por outro lado, Johannes Brahms (1833-1897) considerava muito a obra de Emanuel Bach e interpretou algumas de suas composições. Atualmente, nenhum estudante de música pode deixar de conhecer suas Clavier-Stücke für Kenner und Liebhaber (“Peças de teclado para conhecedores e diletantes”).

Em 8 de março de 2014, comemoramos o 300º aniversário de CPE Bach. Cidades onde viveu e atuou, como Berlim, Hamburgo e Weimar, se reuniram na rede “C.P.E. Bach 1714″ para homenageá-lo. Para também marcar a ocasião, o jornal britânico The Telegraph sugeriu 10 peças que ilustram bem a genialidade do mestre alemão. Consideramos essa uma boa seleção e a tomamos emprestado para este post. Emanuel deixou cerca de mil trabalhos, vários deles surpreendentemente originais. Muitas vezes há súbitas explosões de energia, seguidas de lapsos patéticos ao desespero. Mas isso não diz tudo sobre a sua sensibilidade. Há muitos ângulos em CPE Bach além das emoções selvagens: calmas evocações do sublime, em direção ao Barroco, contraponto intrincado e o charme rococó. Tudo se pode sentir nessas peças escolhidas, logo a seguir.

C.Ph.E. Bach, Kantata Heilig ist Gott. Wiebke Lehmkuhl (c/alt), Hans-Christoph Rademann

1. Heilig ist Gott

Esta obra excepcional para coro duplo e orquestra em louvor à majestade de Deus se tornou uma das mais famosas obras de CPE Bach. O poeta e tradutor alemão Johann Heinrich Voss (1751-1826) foi à sua estréia em 1776 e declarou mais tarde: “Eu não conheço nada de [CPE] Bach que seja mais ousado, nobre ou avassalador do que tal música. Dois coros, um leve, outro forte, respondendo continuamente um ao outro, nas mais diversas tonalidades”.

2. Concerto para violoncelo e orquestra em Lá menor

Esse concerto mostra CPE Bach em seu estilo rápido e furioso. A energia da longa seqüência inicial parece indomável, mas no final do primeiro minuto a música desliza concretamente para uma parada – temporária, no entanto. Quando o violoncelo entra em no segundo minuto da música, surge uma inesperada melodia lírica.

3. Morgengesang am Schöpfungsfeste

Esta cantata traz um texto do poeta alemão Friedrich Gottlieb Klopstock (1724-1803) que glorifica o nascer do sol como um símbolo da ressurreição. Uma crítica da estréia, em 1783, afirmou que “Tudo nela é belo, comovente, nobre e cheio de simplicidade sublime. Raramente a poesia e a música foram tão bem casadas.” A solene abertura do nascer do sol antecipa o oratório Die Schöpfung de Haydn em 15 anos.

4. Sonata para piano em Lá bemol maior “Württemberg”

O movimento lento da sonata para piano em Lá bemol maior (início em 5:27 no vídeo acima) é um bom exemplo de como as peças de CPE Bach geralmente começam: inocentemente, mas logo mudam para caminhos diversos, e estranhos. Neste caso, a excentricidade dá uma cor incomum ao charme rococó da música, mas sem destruí-lo.

5. Magnificat

Este majestoso trabalho (cujo movimento inicial está no vídeo acima) foi concluído em 1747, quando foi CPE Bach tinha 33 anos. Era seu cartão de visita como músico de igreja – e foi executado em Leipzig, na igreja de São Tomás, onde seu pai trabalhava. Isso explica por que a música é conservadora no estilo, mas jamais sendo menor/obsoleta.

6. Concerto para violoncelo e orquestra em Lá maior

Esse outro concerto para violoncelo se destaca pelo seu movimento lento (início em 9:35 no áudio acima), impressionantemente escuro e imponente. O início lembra a Invenção para cravo em Fá menor do pai, mas logo se passa a explorar novo território.

7. Sinfonia em Sol maior, primeiro movimento

Esta sinfonia mostra como a tendência de CPE Bach para surpreender nem sempre é acompanhada por um sentimentalismo febril. Aqui tem mais a ver com a razão, e também com a exuberância da energia motora que os violinos podem criar em massa. O que é incomum neste movimento é a técnica string-crossing, algo mais frequentemente encontrado em solista de concerto. Observa-se também o suspense do final levando ao movimento lento, efeito particularmente belo.

8. Sinfonia em Ré maior, primeiro movimento

Esse movimento orquestral de uma energia transbordante mostra que CPE Bach nem sempre impulsiona sua música através de choques passageiros e locais. Aqui os saltos nas cordas revelam três áreas harmônicas principais, com pausas entre elas. Esse espaçamento estrutural era uma característica do estilo clássico, que naquela época estava se aproximando no horizonte.

9. Sinfonia em Ré maior, segundo movimento

Hora de relaxar com um movimento lento, iniciando em 6:17 do áudio acima, que mostra a habilidade de CPE Bach em escrever música suavemente graciosa. Notam-se ainda as cores orquestrais sutis, que vêm de sopros combinados, e os deliciosos pizzicati das cordas (notas dedilhadas) – recurso possivelmente emprestado do Concerto para cravo em Fá menor do seu pai.

10. Freie Fantasie em Fá sustenido menor

Esta peça ficou por último porque representa CPE Bach na sua extravagância mais estranha. Como muitos compositores, ele direcionou suas ideias mais originais para o teclado, e esta peça nos leva a ouvir o mestre em seu clavicórdio, permitindo uma idéia migrar para outra, interrompendo às vezes o pensamento na metade e começando um outro novo.

O estilo de Emanuel Bach era marcado pelo espírito do Iluminismo, caracterizado pela excentricidade, por contrastes de espírito súbitos e arcos melódicos líricos. O próprio compositor descrevia assim a sua estética:

“Eu penso que a música deve predominantemente tocar o coração. Faz parte da verdadeira arte musical uma liberdade que exclui tudo o que é escravo e mecânico. Deve-se tocar a partir da alma, e não como um pássaro domesticado.”


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